domingo, 26 de outubro de 2014

"Vilões": Por que nós os amamos tanto? - Por Marcos Fonsecca

Odete Roitman, a vilã de "Vale Tudo" (1988), é lembrada até hoje
Odete Roitmann, a vilã de "Vale Tudo" é lembrada até hoje
 
Vingativos, maldosos, inescrupulosos, corruptos. Adjetivos para definir os mais célebres vilões da história das telenovelas não nos faltam, porém, mesmo com suas fichas criminais em mãos, somos incapazes de esquecê-los.
Por que personagens como Félix (“Amor à Vida”), Carminha (“Avenida Brasil”), Nazaré (“Senhora do Destino”), Leôncio (“A Escrava Isaura”) e tantos outros se tornaram mais queridos do que os mocinhos de seus respectivos folhetins? Como gente desta laia de criminosos e facínoras pode possuir uma legião de fãs formada por donas-de-casa, pais de família e até crianças?
Nosso blog procurou diversos autores consagrados e donos de diferentes estilos atrás de uma única resposta: Afinal, por que o público ama os vilões que deveria odiar?
 
Bia Falcão infernizou a todos em "Belíssima" (2005)
Bia Falcão infernizou a vida de todos em "Belíssima"

VILÕES – A VÁLVULA DE ESCAPE
Para muitos autores, a resposta para o sucesso dos malvados está dentro de nós, telespectadores, que usaríamos os personagens como uma espécie de ‘válvula de escape’ dos sentimentos mais vergonhosos que habitam em nosso íntimo.
Em suma, é como se os vilões fizessem o que amaríamos, mas teríamos vergonha de fazer.
“Não acho que o público se esqueça dos mocinhos mas, sem dúvida, ele se apaixona pelos vilões. Acho que é o lado B de todos nós – autores e telespectadores – falando mais alto”, diz Alcides Nogueira, autor de diversas novelas e séries da Globo, e vencedor do Emmy Internacional em 2012 com “O Astro”.
Para Marcílio Moraes – autor de tramas como “Mandala” (1988), “Vidas Opostas” (2006) e “Ribeirão do Tempo” (2011) -, os vilões trazem à tona aquilo que procuramos esconder e atuam como um retrato despudorado de nós mesmos. “O mal é muitas vezes fascinante; o mal evoca sentimentos inconscientes que o espectador tem medo de reconhecer em si, mas sente prazer em vê-lo num personagem ficcional. Daí o sucesso do vilão”.
Acostumados a viver sob a égide da bondade, muitos tendem a descarregar na ficção os anseios proibidos de sua vida real, e acabam vibrando com as ações da vilania por reconhecer nelas aquilo que um dia já quiseram fazer.
Assim como todo vilão possui alguém que serve de ‘gatilho’ para sua maldade, nós também os possuímos, seja este alguém um patrão injusto, um ex-namorado ou um amor não correspondido. O tirano que habita em nós, porém, possui uma ressalva: ele teme a consequência de seus atos e (graças a Deus!) possui limites morais infinitamente maiores do que os de personagens que amamos.
“Os vilões são mais viscerais, têm uma pegada maior e aliviam o nosso lado ‘mauzinho’. Podemos despachar o nosso lado não tão adorável ao ver as maldades do vilão no ar”, crava Cristianne Fridman, autora de “Chamas da Vida” (2008), “Vidas em Jogo” (2012) e “Vitória”, atual novela da Record.
A principal diferença entre os maquiavélicos da ficção e os amargurados da vida real seria a ousadia de pôr em prática o que geralmente permanece na teoria. Para Letícia Dornelles, autora de “Amigas e Rivais” (2007) e colaboradora de “Por Amor” (1997), este é o cerne de nossa paixão pelos vilões. “Como ao vilão, tudo é permitido, o personagem se torna irresistível. Quem nunca desejou pecar sem culpa?”, questiona.
Nazaré, de "Senhora do Destino" (2004), se tornou ícone da vilania
Nazaré, de “Senhora do Destino” (2004), se tornou ícone da vilania
VILÕES – MONSTROS, PORÉM HUMANOS
Recentemente, os vilões passaram por um intenso processo de humanização aplicado pelos mais diversos autores em diferentes níveis. Na ficção, raros são os psicopatas que agem sem motivo aparente.
Embora se expressem de forma totalmente errada, os bons vilões possuem traumas, angústias, tristezas e motivações interiores. São pessoas tão fracas que precisam mostrar que são fortes; são, em sua maioria, passarinhos que têm medo de cair e agem como falcões.
Seria este um dos motivos da empatia gerada entre cidadãos pacatos e personagens perturbados? Para Lauro César Muniz, um dos mais experientes e consagrados autores do país, sim. “Dividir personagens em ‘do bem e do mal’ é uma simplificação extremamente perigosa. Foge à própria condição humana. Não somos bons ou maus, somos seres contraditórios. O bom personagem está estruturado psicologicamente, socialmente ou ideologicamente em função do seu histórico de vida, suas angústias, suas virtudes e falhas”, opina o autor, conhecido por apostar em personagens complexos e dúbios.
Entendimentos como este têm reforçado a criação de vilões repugnantes, porém compreensíveis. “É sempre interessante acompanhar a trajetória de um personagem com fortes motivações, objetivos bem definidos, como geralmente são os vilões. São personagens cativantes, que despertam emoções e muitas vezes expressam o que uma boa parte do público pensa, sem o compromisso com o politicamente correto ou tradicional”, diz Gustavo Reiz, autor de “Dona Xepa” (2013), que utilizou esta dosagem para retratar Rosália, a filha de uma feirante que recebia o amor incondicional da mãe de quem tinha vergonha.
Para o telespectador moderno, formado por uma geração que é estimulada a se conhecer melhor enquanto convive com uma sociedade contraditória, a ideia de bem e mal absolutos parece ter caducado. “Quando um autor atribui a certo personagem a função dramática de ‘vilão’, ele está optando por uma dramaturgia de pouco alcance, porque maniqueísta, com rígida distinção entre ‘bem’ e ‘mal’”, aponta Marcílio.
“Sem uma forte justificativa, o personagem mal, torna-se falso, ridículo, caricatural”, diz Lauro, vocalizando o clamor íntimo do público por tramas “reais”, capazes de colorir o mundo, mas também de acinzentar ilusões.
Flora, de "A Favorita" (2008), não tinha limites e cativou o público
Flora, de “A Favorita” (2008), não tinha limites e cativou o público
VILÕES – A CHAVE DA AUTOJUSTIFICAÇÃO
Além de aliviarem nosso íntimo e serem solidários a nossas angústias, os vilões exercem ainda a função de justificadores daqueles que os amam.
Ao ver uma atrocidade sendo cometida no folhetim, o telespectador tende a se auto justificar, parabenizando-se por não ser como aquele personagem. “Vilões servem como um reforço de que ‘Ai, que pessoa execrável, eu não sou assim’”, acusa Fridman, que costuma apostar em vilões sanguinários, tal qual o psicopata Iago de “Vitória”.
Seria este nosso senso de justiça que nos impediria de ir além da “simpatia” pelos vilões. No fundo (e é este “fundo” que nos torna humanos), nós sabemos que eles estão errados e não queremos ser como eles. “Há algo interessante: o telespectador adora o vilão, mas torce pelo mocinho. Na maioria das vezes, fica imaginando como o bandidão será castigado e como o cara do bem será recompensado. É o velho e eterno jogo dos opostos!”, ressalta Alcides.
Orgulhosos e egocêntricos, os vilões nem imaginam que podem ser considerados servos dos mocinhos. Enquanto os primeiros servem para nos mostrar quem realmente somos, os segundos nos ajudam a sonhar com quem gostaríamos de ser. Podemos entender a inveja de Nazaré, mas queremos a força e o caráter de Maria do Carmo.
“Felicidade em tempo integral não rende boa história. É irreal e dramaturgicamente cansativo. Se o autor optar por um casal protagonista perfeitinho demais, feliz demais, é provável que acabe virando ‘mala’, e seja rejeitado. A atenção se volta para quem tem personalidade mais forte e cria situações interessantes”, diz Letícia Dornelles, explicitando uma das principais funções do vilão: servir de ‘escada’ para o herói.
Carminha, de "Avenida Brasil" (2012), tornou-se fenômeno internacional
Carminha, de “Avenida Brasil” (2012), tornou-se fenômeno internacional
VILÕES – A ESSÊNCIA DO MAL, MAS A PONTE PARA O BEM
Assassinos, adúlteros, maquiavélicos. Acima de tudo, porém, humanos. E mais parecidos conosco do que gostaríamos de pensar. Esta realidade, porém, não deve nos levar ao comodismo, mas nos impulsionar à mudança.
É possível que nossa vilania interior não nos leve à prisão, ao hospício ou à morte, mas, se não combatida, ela pode nos conduzir à mais fria de todas as celas: a solidão. Assim como nas novelas, é desmascarando o mal que vislumbraremos o bem.
Alcides finaliza, denunciando a mim e a você: “O vilão acaba sendo o receptáculo de muita coisa inconfessada. Pequenas ou grandes vinganças escondidas nos cafundós da alma; maldades sonhadas, idealizadas e reprimidas; desejo de poder e manipulação. Como não podemos, ou não queremos, praticar esses atos, jogamos tudo nas costas dos vilões”.
Dificilmente eles irão nos perdoar por isto…
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Ouvir você será uma honra e prometo não me vingar!
 
 
 

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